O Oriente Médio – O mais antigo dos campos de batalha

 

"A região conhecida como Oriente Médio é de uma importância histórica gigantesca, pois foi nessa região onde as primeiras civilizações surgiram, como também por ser considerada a região intermediária de todo o Velho Mundo, fazendo limite com a Europa, África e o Extremo Oriente asiático, fatores estes que tornam Oriente Médio uma espécie de “região estratégica”, em termos históricos e geográficos.

O aparecimento das primeiras civilizações complexas na região do crescente fértil, juntamente com o surgimento das primeiras cidades foi o que de fato tornou a região importante. Muitos reinos e cidades-estados floresceram na região, e com isso surgiram rivalidades e a disputa por poder e controle. Os sumérios, considerados a primeira civilização complexa, criadores da escrita, e de uma religião e política mais estruturadas, não possuíam um governo centralizado, o que apenas ocorreu com a conquista da região pelos acádios, que centralizaram o poder na mão de um rei, este sendo Sargão I. Diversos povos estiveram presentes na região do antigo Oriente Médio, o que fez com que na região surgisse uma diversidade cultural imensa. Fora povoada e conquistada por sumérios, acádios, babilônicos, persas, hebreus, fenícios, egípcios, gregos e romanos. As guerras de conquista e guerras étnicas nunca deixaram de ser parte da história da região, sendo algo constante em todos os tempos. Os persas, em destaque, construiram um império, que estendeu seus domínios por todos Oriente Médio, porção da região dos Bálcãs na Europa, norte da África e vale do Indo. Posteriormente, a região se tornara parte do Império Romano, com a conquista do Egito, do chamado Mundo Grego (região habitada pelos povos de cultura grega ou conquistada por estes povos, que incluía os Bálcãs, a Anatólia, a Síria e a Palestina).

A crise do Império Romano repercutira com a divisão do mesmo em Império do Ocidente e Império do Oriente (Bizantino). Sua porção ocidental acabou por entrar em colapso e dar origem aos reinos europeus da Idade Média, enquanto a parte oriental perdurou até meados do século XV, com a conquista do território pelos turco-otomanos. O Império do Oriente, mesmo não tendo caído rapidamente como o Império do Ocidente, não esteve livre de crises e conflitos. Foram atacados diversas vezes pelos persas e árabes muçulmanos, estes últimos acabaram por conquistar diversas regiões importantes dentro do Império, tais como a Síria, parte do norte da África e parte da Palestina, incluindo Jerusalém. A conquista árabe fora também uma ferramenta poderosa da difusão da religião islâmica por toda região.

A conquista de Jerusalém pelos muçulmanos durante a Idade Média fez com que o Oriente Médio se transformasse mais uma vez no centro dos conflitos do Velho Mundo durantes as Cruzadas. A missão considerada sagrada pelos cristãos europeus resultou em uma sanguinária série de batalhas pela conquista de Jerusalém, em poder dos povos considerados pagãos (na realidade, os muçulmanos). Os muçulmanos conseguiram resistir às investidas cristãs, ainda mais fortemente durante o período em que a região estava sobre o domínio de Saladino (século XII), que reconquistou as áreas tomadas e motivou seus homens a lutar até a morte em nome do islamismo.

As ações compulsivas e extremistas de Saladino durante o período das cruzadas talvez seja um dos grandes fatores que influenciaram o radicalismo islâmico posterior. A crença de “recompensa após morte” em batalha foi uma das táticas de “lavagem cerebral” utilizada por Saladino para estimular seus homens à frente de batalha, na qual o guerreiro morto em uma causa islâmica seria recompensado por Allah com o descanso eterno no paraíso como também teria setenta virgens como companheiras; a idéia de Jihad (Guerra Sacra) que justificava a guerra sangrenta contra os cristãos, sendo estes profanadores das doutrinas de Maomé; a total obediência e proteção à religião islâmica a todo custo, mesmo com violência e total desapego as coisas provenientes de outras culturas. Isto justifica a ação de Saladino de demolir alguns dos mais antigos monumentos do Egito para coletar materiais para a construção da sua cidadela fortificada no Cairo. As cruzadas terminam duzentos anos após seu início, com a retirada dos cristãos e permanência do controle da região pelos muçulmanos. Mesmo após o fim das cruzadas, aconteceram conflitos na região, principalmente pela retomada de territórios que foram criados pelos cristãos.

No final do século XIII, o Império Bizantino estava enfraquecido, e alguns povos muçulmanos estavam estabelecidos na região da Anatólia. O império já não conseguia mais conter o avanço islâmico dos turcos otomanos e estava perdendo territórios em velocidade grandiosa. A própria Anatólia já estava bem fragmentada em diversos “estados muçulmanos” – emirados. Um destes emirados começou a se estender, em aliança com os outros emirados, criando um estado islâmico maior. A conquista otomana continuou crescendo durante os anos seguintes, dominando já parte do norte da África e a região dos Bálcãs. O Império Bizantino já era praticamente inexistente, mas existia ainda “simbolicamente”. Na historiografia ocidental, o Império teve sua queda apenas quando os turco-otomanos tomam a capital Constantinopla no final do século XV. Porém, ao analisarmos mais profundamente, percebemos então que o Império bizantino estava praticamente acabado já no início do século XIV. O Império Turco-Otomano se tornara um grande conglomerado de regiões sobre domínio islâmico, já que englobava quase todo o Oriente Médio e parte do leste europeu, e era considerado uma ameaça aos reinos cristãos.

O Império Otomano começou a entrar em declínio a partir do século XIX, devido a diversos conflitos que ocorriam na Europa, quando fora alvo de interesses de outros estados, tais como o Império Russo, que desejava tomar parte dos territórios otomanos para obter uma saída para o Mar Mediterrâneo – fato que culminou com a Guerra da Criméia (1853-56). O Czar russo Nicolau I declarou que o motivo da invasão do Império Russo às terras otomanas era o de proteger a cidade de Jerusalém, considerada sagrada para o cristianismo, valendo-se do pensamento de que o domínio turco e muçulmano da cidade é algo “profanador” para o cristianismo. Ao fim da guerra, o Império Russo é obrigado a devolver as regiões ocupadas ao Império Otomano, por meio da assinatura do Tratado de Paris.

A derrota da Rússia não significou estabilidade para o Império Otomano. Os ideais nacionalistas que tomaram conta da Europa a partir do século XIX, também tiveram influência dentro do Império. Regiões como a Grécia e outros principados nos Bálcãs e no Danúbio, assim também como os povos eslavos, desejavam autonomia política. A porção européia do império, que era cristã, começou a rejeitar o governo islâmico, por visíveis diferenças étnicas e culturais. Mas a difusão dos ideais nacionalistas juntamente com o enfraquecimento político do Império fora um momento oportuno para as culturas não-islâmicas reivindicar suas autonomias.

Alguns territórios islâmicos do Oriente Médio e norte da África foram ocupados por potências imperialistas, com o intuito de levar “ordem e justiça” a estes lugares. A Grã-Bretanha ocupara o Egito, que era uma província otomana na época, e posteriormente, ocorreram as ocupações da Tunísia e da Argélia pela França e da Líbia pela Itália (em 1912, com a Itália unificada). A ocupação destes territórios tinha como missão a estruturação da ordem política nestas regiões, baseadas em conceitos europeus, mas logo se mostrou uma forma e imposição cultural e política, com intolerância da religião islâmica, um fato que acabou “esteriotipando” a região com um negativismo que é visto com repulsa pelo Ocidente. Edward W. Said, em seu livro “Orientalismo: O Oriente como visão do Ocidente”, relata a visão britânica sobre os estados muçulmanos ocupados. Os ingleses viam estes lugares como atrasados, violentos, e que estes povos seriam incapazes de desenvolver um governo autônomo democrático, como também eram incapazes “de conhecer a própria região”. Said mostra estes pensamentos em seu livro por meio de discursos de parlamentares britânicos do século XIX, no qual um deles explica o motivo da ocupação do Egito, dizendo que a “Grã-Bretanha comanda o Egito porque ela conhece o Egito”.

No início do século XX, com a vinda da Primeira Guerra Mundial, as potências européias que controlavam territórios no Oriente Médio e na África se sentiram ameaçadas porque talvez poderiam perder suas regiões de influência. O Império Otomano se juntou a Tríplice Aliança como uma forma de proteger suas terras do interesse britânico e francês. Porém, no fim da guerra, com a vitória da Tríplice Entente ou Entente Cordiale, o Império Otomano declina e é dividido em diversas regiões. A região do Oriente Médio, que compreende a Síria, Líbano, Palestina, Jordânia e Iraque, passa a ser controlada por britânicos e franceses. Isso causa uma revolta nos povos islâmicos que habitam a região, já que muitos desejam autonomia territorial, a exemplo dos palestinos que a muito já queriam criar um estado.

A região do Oriente Médio volta a ter grandes conflitos após a Segunda Guerra Mundial, principalmente pela criação do Estado de Israel na região da Palestina pela Liga das Nações. A idéia fora recebida com revolta não apenas pelos palestinos, mas por toda população islâmica do Oriente Médio, pois a região fora cedida aos judeus, que neste período eram minoria na região. A perseguição dos judeus e o holocausto, provocados pela Alemanha Nazista foram utilizados como pretexto principal para a criação do estado, e a exigência por parte dos judeus era de que o estado deveria ser criado na região do antigo Reino de Israel. Não fora difícil para que os judeus conseguissem isso devido ao fato da região estar sendo controlada pelas principais potências da Liga das Nações, e assim foi feito. Isso provocou as tensões nas duas metades do século XX. Países islâmicos não aceitavam a criação do Estado de Israel e tentaram de forma violenta acabar com ele . Isso gerou a Guerra Árabe-Israelense(1948), Guerra do Sinai(1956-57) e a Guerra do Yom Kippur (1973).

Israel, durante os conflitos, sempre fora apoiado pelas potências ocidentais e obtivera vitórias, o que causava revolta aos árabes – fator que fez com que surgissem grupos terroristas como o Hezbollah libanês e a Al-Qaeda – grupos defensores do islamismo com ideais anti-semitas, como também ideais anti-ocidentalistas, pelo fato da influência ocidental na região, as quais eram entendidas pelos árabes como uma conspiração judaico-cristã para por fim ao islamismo.

Os fatores históricos-culturais permanecem como principal causa das revoltas no Oriente Médio, não só na antiguidade como nos dias atuais. Um exemplo disso foi a Guerra Irã-Iraque em 1980, na qual o Iraque invadiu a região limítrofe com o Irã, com o pretexto de que a região pertencia ao Iraque no passado.

No ano de 1990, o Iraque invade o Kuwait, fazendo com que as Nações Unidas interviessem, dando origem à Guerra do Golfo, que durou até 1991. O pós-guerra também não fora tranqüilo, já que a região é constantemente alvo de revoltas e investidas entre judeus e muçulmanos, como também entre os próprios muçulmanos. A constante intervenção americana na região agrava ainda mais a situação, estimulando ainda mais o ódio pelo ocidente. Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 são resultado da constante onda de protesto contra a intervenção americana na região. Os Estados Unidos temerosos com a possibilidade de uma nova guerra, como também pelos seus interesses relacionados com o petróleo da região mandou tropas para o Afeganistão e Iraque para conter os ataques terroristas. Em 2003 os Estados Unidos invadem o Iraque com o pretexto de ajudar na derrubada do ditador Saddam Hussein, como também para parar a produção das armas de destruição em massa. Saddam Hussein é deposto e os Estados Unidos instalam um governo provisório, o que não ajuda em nada e faz com que grupos terroristas se manifestem por meio de ataques, piorando a situação no país. Os grupos terroristas são conservadores e acreditam que a influência ocidental em seus territórios é totalmente negativa.

O Oriente Médio é o mais vigente campo de batalha da história mundial, fora palco das primeiras disputas das primeiras civilizações, e permanece em tensão até nos dias de hoje. Nunca uma região vivenciara tantas guerras.

 

Bibliografia

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HOURANI, Albert. “Império Europeus e Elites Dominantes (1860-1914)”, “A Cultura do Imperialismo e da Reforma”, “O Auge do Poder Europeu”, “Mudança de Estilos de Vida e Pensamento (1914-1939)”. In: Uma história dos povos árabes. São Paulo: Cia. Das Letras, 2001.

KARNAL, Leandro. Oriente Médio. São Paulo: editora Scipione, 1994. (coleção de para-didáticos)

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

 

Este texto foi retirado do site

https://debatehistorico.wordpress.com/2011/07/25/o-oriente-medio-o-mais-antigo-dos-campos-de-batalha/